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Mundo, mundo, vasto mundo

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Vi outro dia um vídeo curto que exibia uma paisagem desconhecida: uma estrada envolta numa bruma crepuscular e, ao longe, um monumento gigantesco com a figura de um homem em pé. Essa estátua, que tem 182 metros de altura e é considerada a maior do mundo, fica em Gujarat, na Índia. Conhecida como Estátua da Unidade, é dedicada a Sardar Patel, ativista da luta pela independência do país. Fui procurar fotos do monumento e é mesmo um portento arquitetônico.

Não fazia ideia da sua existência. Provavelmente por ser uma construção recente, finalizada só em 2018, ela ainda não está incluída entre as maravilhas do mundo moderno. Não possui a suntuosidade da Estátua da Liberdade, o charme da Torre Eiffel ou o encanto divinal do Cristo Redentor. De qualquer modo, gostaria de me ver diante desse gigante absorto, que passa seus dias a contemplar o vazio.

Sei, porém, que dificilmente irei até lá um dia. Não que me faltem pernas, saúde ou vontade. É que o mundo é tão vasto e há tanto por desbravar que conhecer a Índia me parece algo quase tão improvável quanto passear em Marte. Tenho um amigo que já foi e gostaria de voltar. A ele interessam os tratamentos milenares e os ensinamentos espirituais, que me escapam. Sou em essência um homem ocidental, eurocêntrico, defensor dos Estados de bem-estar social e das liberdades individuais. Por isso me identifico com as cidades do Velho Continente.

Mas, por vezes, sinto o chamado desse mundo desconhecido chegar até mim. Cultivo com fascínio o transcendental, o místico, o que não conseguimos apreender racionalmente. Enfim, tudo aquilo que lemos em romances como o Sidarta de Hermann Hesse e que, sem sabermos bem o motivo, nos leva a pequenas epifanias. Aos 53 anos, creio que passei do tempo de me aventurar por destinos exóticos: conviver com monges budistas no Tibet, vivenciar o caos sagrado de Katmandu ou mesmo experimentar a incomum gastronomia de rua em Bangkok, Hanói ou nalguma vila desconhecida do Laos ou do Camboja.

“Viajar! Perder países!”, já escreveu Fernando Pessoa. “Ir em frente, ir a seguir. A ausência de ter um fim”. Quando jovem, viajei muito pelo Brasil e me dediquei a aventuras que estão guardadas com carinho na memória. Mais velho, conheci cidades europeias. Mas não fiz nada parecido com o que fez Paul Nizan, escritor francês que aos 20 anos resolveu passar uma temporada em Áden, antigo protetorado britânico encravado no Oriente Médio, hoje pertencente ao Iêmen. “Áden rosna como um grande animal rugoso coberto de moscas e mutucas, rolando na poeira”. Suas memórias desse período estão reunidas em Áden, Arábia, que estou lendo.

Também não me embrenhei por meses em trens rumo ao Oriente profundo, como fez o norte-americano Paul Theroux, outro escritor de prenome similar ao meu. Essa imersão é contada em O Grande Bazar Ferroviário, talvez o melhor relato de viagem que li na vida (On the Road não conta, por se tratar de um romance). Theroux parte da Inglaterra, enfrentando os mais diversos tipos de vagões e conhecendo a essência do ser humano em lugares como Turquia, Irã, Vietnã, Índia, Paquistão, Nepal e muitos outros países estranhos aos nossos olhos ocidentais.

Humanista e aberto ao novo, Theroux descortina essas nações com ironia, compaixão e humor. A exceção é a parte final, na qual retorna à Europa pelas estepes desoladas da Rússia, via Expresso Transiberiano. Torpor e cansaço, que só quem passou muito tempo longe do lar sabe como podem ser dolorosos. “Afinal, a grande viagem é apenas uma maneira de o homem inspirado tomar o rumo de casa”, escreve ao final do livro.

Às vezes, brinco de explorador do mundo. Entro no Google Maps, escolho a esmo um país ou uma região e jogo lá o bonequinho do Street View. É quase sempre uma surpresa encantadora. Outro dia, me deparei com uma corredeira de rio na Noruega, uma cachoeira de águas transparentes no Irã, um monastério na Bielorússia, uma cratera gigante com fogo eterno numa paisagem lunar do Turcomenistão. Por fim, um povoado totalmente destruído na Síria.

Fico imaginando as pessoas que vivem nesses lugares: seus hábitos, suas visões de mundo, suas feições, tudo tão diferente de mim. Divago sobre cheiros, vozes e ruídos. Tateio mentalmente árvores, punhados de terra, a água límpida e gelada. É como se eu me transportasse até esses recantos que nunca vou conhecer. Reduzindo um tiquinho assim a imensidão quase infinita que é este vasto mundo, no qual passamos muito, muito pouco tempo.

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