TAGS

“Meu desejo é a justiça divina”, diz filho de enfermeira morta na Vila Laura

Publicado em

Tempo estimado de leitura: 4 minutos

PFR3216

O assassinato brutal de uma técnica de enfermagem, cometido pelo marido, causou revolta entre familiares e amigos da vítima. Pedro Henrique Santos de Jesus, filho caçula de Simone Maria, que foi morta pelo marido na manhã desta segunda-feira (1º), afirmou que o único desejo que tem em relação ao destino de seu pai é a justiça divina. 

“Não vou dizer que eu tenho raiva nem mágoa do acusado, que é meu pai, mas eu digo que tenho pena. O homem lá de cima é quem vai fazer a justiça divina. No momento da raiva você pensa em descontar na mesma moeda, mas se trata de um pai, de um ser humano. Você não se iguala para cometer o mesmo que ele”, afirmou, visivelmente emocionado. Antes de falecer, Simone conseguiu ligar para Pedro Henrique e pedir ajuda. O Samu realizou o atendimento médico, mas a vítima não resistiu.

Simone Maria dos Santos foi morta a pedradas por volta de 6h da manhã de segunda-feira, em sua casa, na Vila Laura. O motivo supostamente foi a intenção de Simone de pôr fim ao casamento, decisão com a qual o marido não soube lidar. De acordo com a Polícia Civil, o acusado pulou a janela do apartamento para tentar fugir, mas foi socorrido e está sob custódia no Hospital Geral do Estado. Ele será autuado em flagrante por feminicídio.

Vestindo camisas estampadas com o rosto da técnica de enfermagem, os entes queridos se despediram nesta terça-feira (2) de Simone Maria dos Santos. O enterro aconteceu no Vale da Saudade, em Candeias, e foi uma demonstração do carinho que quem a cercava sentia por ela: os filhos precisaram alugar um ônibus para levar parentes, amigos da cidade natal e colegas de trabalho da vítima. 

O enterro trouxe à tona a dor do pai enlutado, a comoção dos amigos e o misto de sentimento dos filhos. Jaime dos Santos, pai de Simone, perdeu a esposa em fevereiro. Hoje, apenas dois meses depois, chorava sobre o caixão de sua única filha mulher.

Nascida em Aratu, no município de Candeias, Simone tinha 51 anos e era casada há 30. Mudou-se cedo para Salvador, onde teve seus dois filhos, Carlos Henrique e Pedro Henrique. Descrita pelos colegas como generosa e discreta, Simone trabalhou como técnica de enfermagem por 17 anos, até ter sua vida interrompida precocemente nesta segunda-feira (1º). 

De acordo com Adriana Ferro, colega do Hospital Geral Roberto Santos, mesmo de folga, Simone ia para o hospital cuidar dos pacientes mais velhos. “Simone não tinha tristeza nela, era uma pessoa do bem. Isso é indiscutível”, afirmou a enfermeira. 

Pedro Henrique diz que a mãe ligava todos os dias para seu celular para perguntar sobre os dois netos, João, de oito meses, e Pietro, de três anos. Além dos dois, Simone era avó de Samuel, filho do mais velho, Carlos Henrique. O caçula de Simone se emociona ao falar sobre como os filhos crescerão sem ter de novo esse carinho por parte da avó.

Seis vítimas de feminicídio por mês
“A nossa dor é ver que nós, enquanto mulheres, estamos tratando cada dia de uma rotina absurda de mulheres violentadas. Essa estatística vem crescendo muito na nossa realidade enquanto técnicas de enfermagem intensivistas. E a minha revolta é ver quem estava cuidando hoje ser vítima dessa violência”, disse Aialla Fontes, que trabalhou com Simone por quatro anos no Hospital Geral do Estado, em nome de todas as técnicas de enfermagem do local. 

Para ela, é essencial que exista uma rede de apoio eficiente para as mulheres. “Nós não encontramos uma política que faça realmente valer esse acolhimento. O acolhimento não é apenas a colega chegar e conversar que foi agredida, é ter profissionais para acolher, ter direcionamento, ter dimensionamento do fato. Eu acho que o que faltou para a nossa colega estar viva hoje foi isso: ter um trabalho de direcionamento à mulher”, defende. 

Em 2023, seis mulheres são mortas por mês na Bahia vítimas de feminicídio. Esse número é inferior aos casos registrados no mesmo período no último ano. De acordo com a Polícia Civil, até 25 de abril, foram 24 feminicídios, contra 26 no mesmo período de 2022, o que figura uma redução de 7% (leia mais no box).

Julieta Palmeira, antiga Secretária de Políticas para Mulheres do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) da UFBA, defende a necessidade de executar melhor as políticas existentes. “Nós precisamos de políticas para evitar a impunidade e garantir uma proteção mais efetiva às mulheres, buscando a aplicação da Lei Maria da Penha, um marco legal de referência. É preciso ampliar o número de delegacias especializadas, fazer valer a lei que dá celeridade às medidas protetivas, recentemente sancionada, e fortalecer os serviços locais de acolhimento às mulheres em situação de violência, as redes de acolhimento”, diz.

O relatório Elas Vivem, organizado pela Rede de Observatórios da Segurança, registrou que a Bahia é o estado do Nordeste com maior índice de violência contra a mulher. Larissa Neves, pesquisadora e organizadora do projeto, afirma que 75% dos feminicídios são cometidos por companheiros.

“É muito importante que essas mulheres conversem sobre o que sentem. Que elas tenham ali pessoas de confiança para sinalizar o que ela está passando. Elas precisam externalizar, porque muitas vezes a gente naturaliza esses ciclos da violência, justamente porque a gente não sabe que isso é violência. A gente acredita que isso faz parte da relação e acaba não falando, porque nós temos vergonha de dizer e sinalizar que a gente está sendo controlada”, ressalta a pesquisadora.

*Orientada pela subeditora Fernanda Varela.

Que você achou desse assunto?

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

- Publicidade -

ASSUNTOS RELACIONADOS

Justiça ordena derrubada de muro em destino turístico no Extremo Sul baiano

Uma decisão obrigou a retirada de um muro irregular construído pelo grupo empresarial responsável pelo "Arraial d'Ajuda Eco Parque" e "Condomínio Águas d'Ajuda", em Porto Seguro, na Costa do Descobrimento. Em caso de não haver a demolição, o grupo empresarial terá de arcar com multa.   Segundo o Radar News, parceiro do Bahia Notícias, a

Homem que atirou em vizinho após briga deve se apresentar à delegacia nesta sexta-feira

O homem que atirou no vizinho durante uma briga em um condomínio no bairro de Patamares, em Salvador, vai se apresentar nesta sexta-feira (10) a polícia. Segundo reportagem da TV Bahia, o empresário, que não teve identidade revelada, se apresentará na 9ª delegacia da Polícia Civil, na Boca do Rio,  onde o caso é apurado

Mulher dá à luz três semanas após morte encefálica no Sergipe

Uma mulher teve parto realizado mesmo após morte encefálica em Sergipe. O caso, considerado raro, é apenas a quinta ocorrência no Brasil. A família da jovem autorizou a doação dos órgãos.   Uma mulher, não identificada, que teve morte encefálica decretada há mais de um mês deu à luz uma menina na noite dessa quarta-feira