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Sexo verbal? Jovens de hoje falam mais, mas têm muito menos relações

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Nessa mesma última semana em que a artista mineira Marina Sena lançou o álbum ‘Vício Inerente’, com músicas pop que liberam uma força erótica, uma “paixão de um jeito mais sujo”, como ela própria declarou à Revista Continente, o Centro para Controle de Doenças dos EUA publicou uma pesquisa, a partir de 17 mil questionários, que conclui o menor nível de interesse por sexo entre os jovens estadunidenses desde o início de registros. Se em 1991 pelo menos 54% dos entrevistados já haviam se iniciado sexualmente aos 18 anos, três décadas depois somente 30% responderam que sim. E o que uma informação tem a ver com a outra? Na época em que a música jovem mais expressa sua sexualidade, é curiosamente a época em que os jovens menos se relacionam com o sexo. 

No Brasil não há dados tão indicativos, mas há indícios de amostragem. Em 2022, o Datafolha perguntou aos mais jovens qual era o eixo da vida que eles consideravam mais importantes: despontaram “saúde”, “família”, “estudo”, “trabalho” e mesmo “religião”, mas o sexo não apareceu entre os primeiros.

Podemos atribuir a menor incidência do nosso tema em destaque a partir de um acanhamento típico de jovens que, diante de um adulto pesquisador, procuram palavras-chaves ditas mais sérias. No entanto, pelo encaminhamento global, em que índices se repetem na Europa e na Ásia, principalmente no Japão e na China, a pesquisa feita pelo DataFolha, em 2021, com 1.800 homens, computou que 24% desses rapazes entre 18 e 24 anos não tiveram relações nos dois anos anteriores.  

Houve uma pandemia com quarentena rigorosa no meio desses dados, mas não reduz o assombro sociológico: por que os mais jovens fariam cada vez menos sexo? Excesso de conexão wi-fi, interação digital tão orgânica que torna o contato virtual suficiente? A pornografia destilada, os jogos on-line e as redes sociais como vícios mais inerentes? Talvez uma cultura de formação para o trabalho que estimule mais a individualidade, uma diminuição de oportunidades para os mais novos com o aceleramento da competição por vagas traga um protelamento maior dos prazeres, uma compreensão de saúde e de segurança pública que influencie em número menor de socializações espontâneas, de encontros casuais e interessantes…

Um casal de alunos, adolescentes mais velhos, ao me ouvir comentar sobre o tema, replicou: “O pessoal não quer mais se comprometer em mostrar que deseja mesmo algo e ouvir um não. Então não vai para o contato, para o confronto… No máximo, vai se autoafirmar”. 

O que entra no nosso cancioneiro. Safadão, que pelo nome já promete muito, canta agora com Zé Felipe e Igow o hit Kika em Mim. O mais simbólico é a utilização do refrão da canção dos anos 90 cantado por Leandro & Leonardo substituindo pensa em mim (chore por mim, liga pra mim…) por senta em mim. Não faremos uma fenomenologia da substituição do verbo pensar por sentar, trinta anos depois, embora merecesse, ainda mais pela piada que circula na internet: “Essa geração está exausta mesmo: só pensa em sentar”.  Não há qualquer implicação moralista em fazer uma análise comparativa da intertextualidade dessas canções, apenas uma implicação: transava-se mais ouvindo Leonardo, Chitãozinho & Xororó e Engenheiros do Hawaii do que toda a nossa gama de promessas verbais? 

“Sexo verbal não faz o meu estilo…”, cantou Renato Russo em tempos próximos, e complementou: “Palavras são erros”. O que quer dizer? A literalidade das palavras forma equívocos, pois uma palavra é sempre um sinal daquilo que se aponta e que se tenta descrever. Disse o filósofo Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus: “Os limites da linguagem significam os limites de meu mundo”. Então aquilo no mundo que extrapola a condição de expressarmos em nomes o seu significante está para além do “meu mundo” e se tornam o mundo em sua dimensão mais profunda. O que o próprio Wittgenstein poderia chamar de “místico”: “Há por certo o inefável. Isso se mostra, é o Místico” (6.522). Arrebatamento, gozo, união… Não são termos da mística como também do sexo? Pode então o sexo ser tão simplesmente manejado em palavras como se não fosse inefável? 

A metáfora, que é uma forma de conectar entendimentos que não podem ser literais, certamente é uma amiga da sensualidade. “Vou cavalgar por toda a noite/por uma estrada colorida/usar meus beijos como açoite/e a minha mão mais atrevida”, arriscaram Erasmo e Roberto Carlos.  Ou Cazuza: “E se eu achar a tua fonte escondida/Te alcanço em cheio o mel e a ferida”. A firmeza alegre de Rita Lee com Roberto Carvalho que, segundo Tom Zé, foi a educação sexual dos anos 80: “Me vira de ponta cabeça/me faz de gato e sapato/Ah, me deixa de quatro no ato/me enche de amor, de amor”. Ou Maria Bethânia transformando um jingle de motel baiano em sucesso nacional com Cheiro de Amor… E Angela Ro Ro responder em outra canção: “”Quero cheirar a amor/Quero exalar suor/Pro dia que você for/Ficar com seu melhor” 

Muitos outros exemplos maravilhosos poderiam ser citados, ainda mais com a História Sexual da MPB – A Evolução do Amor e do Sexo na Canção Brasileira (Record, 2006), de Rodrigo Faour, na cabeceira. O ponto, porém, já foi colocado: com tudo tão literal, em que as palavras se tornam imperativos ou promessas virtuais, a metáfora não pede também um lugar? Não só para o sexo, mas para a pulsão de vida, para o ânimo de encarar o mundo: ter a possibilidade da linguagem. Sim, é isto: mostrar palavras e mais palavras como se fossem amores.  

Saulo Dourado é escritor de livros de ficção e professor de filosofia em colégios de Salvador
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores

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