Vaivém na Cracolândia: “Meu futuro é conseguir R$ 1 pra dar um trago”

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São Paulo — Professor de dança desde os 14 anos, estudante de educação física que abandonou o curso e pai de um adolescente. É possível descrever Luiz (nome fictício) de várias formas e, aos 32 anos, é na Cracolândia, em São Paulo, que ele conversou com a reportagem na noite de quinta-feira (9/11) e na tarde de sexta (10/11). “O meu futuro é conseguir pelo menos R$ 1 pra dar um trago.”

Luiz cresceu no Guarujá, no litoral paulista, onde usou cocaína pela primeira vez, quando já cursava educação física. Poucos anos antes, os pais tinham se separado e, aos 19, ele próprio tinha sido pai. Para ele, a relação com a cocaína foi paixão avassaladora. “Foi amor ao primeiro tiro [cheirada]”, diz.

O rapaz que sempre dançou muito bem até tentou se esquivar da cocaína. Lembra de ter procurado ajuda na capital paulista, no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), bem no dia em que o Museu da Língua Portuguesa pegou fogo, em dezembro de 2015.

Entre idas e vindas a São Paulo, ele ficou uma noite sem ter onde dormir e foi convidado a participar de uma festa no fluxo da Cracolândia, onde experimentou crack pela primeira. Isso foi em 2017 e, desde então, a sua vida gravita ao redor da pedra.

Luiz sempre teve preconceito em relação ao crack e achava que jamais ficaria jogado numa calçada. A paixão pela cocaína tinha encontrado uma rival à altura, ainda por cima mais barata.

Mesmo com o prazer proporcionado pela droga, não faltaram tentativas por parte de Luiz para abandonar a dependência química. Ao longo da vida, conta que foi internado por 24 vezes. Ele tem uma definição muito particular a respeito dessas experiências.

“Como é a internação? É como ser chifrado 24 vezes pela mesma mulher”, diz.

Entre tentativas e erros, Luiz descreve um roteiro bem conhecido pelos usuários da Cracolândia ao longo dos anos. Aponta cada local por onde passou com precisão de datas e eventos atrelados, muitas vezes, às operações policiais em curso em cada época.

“Quando era na Júlio Prestes, estávamos quietos, parados, sabíamos o horário do rapa, da limpeza, fazíamos tudo que era certo. Mas, não, empurraram a gente para Praça Princesa Isabel. Lá, a gente fazia mesma coisa”, diz.

E avança em sua linha do tempo bastante detalhada. “Do nada, de madrugada, 5h, vem os carros da [Polícia] Civil, tira todo mundo de lá e manda para a Helvétia”, afirma.

E na Helvétia? “Vem a Operação Caronte. Você não podia ter um cachimbo no bolso que era preso. Eu fui preso 15h30 por causa de um caninho, não era nem um cachimbo. Saí de lá 0h15”, diz.

A situação nos últimos meses tem sido mais um jogo de empurra feito por parte das autoridades, diz Luiz. Os movimentos bruscos do dia a dia não agradam o dançarino.

“Como vou tirar você daqui, fazer você dar voltas e deixar aqui de volta? Não somos fantoches”, diz. Uma volta, duas voltas, na terceira volta vamos sair quebrando e saqueando tudão. Não somos palhaços, velho”, afirma.

Os próximos meses também são vistos de forma pouco promissora por Luiz. “De verdade? Estamos em novembro agora, né? Ano que vem é ano de eleição. Para não falar palavrão, nós estamos lascados”, afirma.

Em relação à vida, também não se empolga. “Cracudo não tem futuro. Só vale o primeiro R$ 1, R$ 2 que é o do trago. Só.”

Apoio Luiz agradece a todo momento o fato de ter pessoas que se preocupam e se importam com sua vida, incentivando-o a perceber que é mais do que um consumidor de crack. Seja um grande amigo de um grupo de teatro do bairro ou a dona de um bar que acolhe quem veio da rua, como ele. Os nomes também serão preservados.

Embora essa rede de apoio não seja suficiente para mantê-lo longe das pedras, é nela que ele encontra os puxões de orelha, quando precisa, e os elogios que o encorajam a seguir vivo, mesmo quando a autoestima parece debilitada.

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