Recentemente, uma frase se destacou nas discussões urbanas no Brasil: “A vida é diferente depois do túnel”. Essa reflexão surgiu após uma operação policial no Rio de Janeiro, evidenciando as disparidades nas condições de vida nas áreas urbanas, revelando que as desigualdades são visíveis nas ruas, na arquitetura e no uso dos espaços públicos.
Ao olhar para Salvador, percebe-se que os bairros mais pobres estão próximos de shopping centers e prédios luxuosos. Esse cenário ajuda a entender como surgiram as comunidades, frequentemente chamadas de favelas. Para analisar essa situação, o Bahia Notícias conversou com Angela Maria Gordilho, arquiteta e urbanista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP).
Angela tem mais de 50 anos de experiência e ressalta a importância de uma análise histórica para compreender a urbanização de Salvador, que é marcada por complexidade e contrastes.
Ela explica que o urbanismo envolve o estudo do desenvolvimento das cidades, enquanto a urbanística trata de como essas cidades se formam. “Quando um lado da cidade apresenta pobreza, habitações pequenas e falta de espaço público, isso leva à segregação. Hoje, também enfrentamos a violência e o domínio de grupos criminosos, que aumentam essa separação”, destaca.
A professora também enfatiza que a noção de periferia em Salvador é diferente da de outras grandes cidades. Os bairros mais pobres se misturam aos centros financeiros. Um bom exemplo é o bairro de Pernambués, que abriga o maior shopping de Salvador e, ao mesmo tempo, é considerado uma das maiores favelas pelo IBGE.
“Periferia é geralmente o que está fora do centro, mas em Salvador, você pode estar no centro geográfico e ainda assim ser periférico. Os bairros do Nordeste de Amaralina e Calabar exemplificam isso, pois enfrentam a falta de investimentos públicos e privados”, relata.
Outro aspecto importante é que nem todas as comunidades em Salvador são invasões ou ocupações irregulares. Muitas delas possuem alvarás de construção, mas permanecem à margem das legislações urbanísticas. “Essas casas, muitas vezes inacabadas, não seguem as normas urbanísticas, resultando em um urbanismo incompleto”, afirma Angela.
Ela comenta também sobre o significado do termo “favela”, que é uma importação das comunidades do Sudeste. “Em Salvador, usamos o termo ‘bairros pobres’, pois muitas dessas áreas não são ocupações, mas arrendamentos ou doações”, explica.
Um ponto interessante é que, em Salvador, algumas ocupações em áreas de alto valor foram removidas por ações governamentais, embora de forma menos agressiva do que no Rio. Angela menciona o caso da invasão de Ondina, que foi retirada para Itapuã e Boca do Rio.
Gestão e planejamento urbano
Angela, que foi Secretária de Habitação de Salvador entre 2005 e 2008, revela que acreditava em mudanças significativas na gestão urbana. “Acreditávamos que o Brasil estava prestes a mudar com a implementação do Estatuto da Cidade e a criação do Ministério das Cidades”, comenta.
Para ela, a regulamentação das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) é essencial. Essas regiões não seguem as normas de ordenamento do solo, mas a cidadania deve ser respeitada em toda a cidade. “O plano de bairro é o principal instrumento para reverter a condição de periferia, mas ele precisa ser trabalhado ativamente e com a colaboração de todos”, completa.
Angela observa que a gestão urbana em Salvador tem se concentrado em resolver problemas imediatos. “Falta vontade política para abordar questões de longo prazo”, critica. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) é direcionado principalmente ao centro da cidade, em vez de buscar soluções holísticas que beneficiassem toda a população.
Uma visão de futuro
A pesquisa de Angela mapeia a evolução da urbanização em Salvador em quatro fases: ocupação inicial das encostas, subdivisão do Subúrbio, ocupação das áreas remanescentes e, finalmente, a alienação das áreas verdes.
Ela ressalta que Salvador enfrenta uma escassez de áreas ocupáveis, levando à verticalização excessiva e ao uso inadequado de espaços verdes. “Nossa cidade precisa ser mais verde, mas a realidade é que não temos mais terrenos disponíveis, resultando em uma urbanização cada vez mais concreta”, afirma.
Para Angela, a recuperação da cidade é possível, mas requer um compromisso a longo prazo. “É um projeto que deve ser contínuo, por pelo menos 50 anos e com a participação de toda a população”, defende.
Além disso, destaca a importância de uma cultura urbana saudável, onde cada um contribui para o espaço que habita. “Não podemos esperar que apenas a prefeitura ou o estado façam tudo. É preciso um esforço conjunto”, conclui.
Ainda há esperança para Salvador. O futuro depende da conscientização coletiva e do comprometimento de seus moradores. Como você vê a situação da sua cidade? Compartilhe suas ideias e opiniões nos comentários.

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