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Filtragem em algodão e conexão com o passado: o processo do licor até chegar ao copo

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A produção de licor nos mosteiros é uma tradição herdada da Europa, mas na Bahia, garante a manutenção de convento

A interseção entre passado e futuro no saber popular remete a ancestralidade, que muito se parece com a tradição do licor na Bahia. A bebida demora, em média, um ano para ficar pronta e o que será vendido neste mês, começou a ser preparado no São João de 2022. Agora, os produtores esperam um faturamento 40% maior do que no ano passado.

Quem não conhece a tradição de um dos monastérios mais antigos do país, localizado em Nazaré, pode enxergar com estranheza irmãs franciscanas serem responsáveis pela produção de um dos licores mais tradicionais da cidade. É dentro do Convento Santa Clara do Desterro, fundado em 1677, que a Irmã Lurdinha, 57, se encarrega da produção lenta e artesanal da bebida alcoólica. 

O licor de rosas, mais famoso entre todos os sabores, demora até dois anos para ser preparado porque as rosas ficam em contato com o álcool de cereais durante um longo período, o que deixa o sabor das rosas mais evidente. Depois disso, o líquido ainda precisa ser filtrado sete vezes em algodão. A receita da alquimia foi trazida por um grupo de religiosas Clarissas, vindas de Portugal, no século XVII. 

“A produção é muito trabalhosa, já precisei virar a noite fazendo as bebidas, mas tudo é feito com muito amor e dedicação”, conta Irmã Lurdinha. O dinheiro arrecadado com as bebidas que custam entre R$75 e R$85 é usado para melhorias do Convento do Desterro. 

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A produção das delícias é trabalhosa, mas o resultado compensa e garante a sobrevivência de tradições seculares na capital e no interior da Bahia (Foto: Paula Fróes/CORREIO)

A forma de fazer o licor atravessa gerações através da oralidade e Irmã Lurdinha revela que não encontrou a receita escrita até hoje. Sobre a mistura entre religião e festividade, a religiosa garante: fazer licor não é pecado e beber também não. “É um licor para tomar no São João, fruto de uma tradição de muitos anos que não pode deixar de existir. O que faz mal é o exagero e não a bebida”, ressalta.

Negócio familiar

Seja em qual for a região do estado, a produção continua intimamente ligada com a tradição familiar. Em Cachoeira, cidade referência no Brasil para a produção da bebida, não é diferente. A mãe de Vinícius Mascarenhas, 26, começou a fazer licor em casa para presentear pessoas próximas. A diversão virou negócio com nome e CNPJ quando Vinícius decidiu investir na produção e revender o produto para comerciantes de outras cidades. Assim nasceu a Licor do Porto. 

Neste mês, a previsão é que sejam vendidas 80 mil garrafas de um litro cada. Os licores são feitos durante todo o ano, mas é no período junino que a clientela ganha força e mais 60 pessoas integram a equipe de três funcionários. A expectativa de Vinícius é vender 40% a mais do que no ano passado, quando a pandemia ainda atrapalhava os negócios. A produção em larga escala, no entanto, não deixa a tradição de lado e quem compra a bebida leva para casa um pouco da história da família. 

“O licor não é apenas uma bebida, a gente compra a história por trás da garrafa, é um dom que é passado através das gerações”, define Vinícius. O segredo da bebida, para ele, se resume em três ingredientes fundamentais: tempo, frutas de verdade e amor. Para fazer a bebida no sabor de jenipapo, o mais tradicional e demorado, a equipe busca as frutas em comunidades quilombolas e pequenos produtores rurais. 

A bebida só fica pronta para encher as garrafas cerca de um ano depois. “Quando chega na fábrica, a fruta é lavada, cortada e colocada em infusão com água e álcool. Ali ela fica por seis meses e é prensada para pegar o caldo. Depois, fazemos a infusão novamente por mais cinco meses”, revela. Quando a maturação é enfim finalizada, o líquido é misturado com açúcar e água. 

Drinks todo ano

Quem também espera um incremento de até 30% nas vendas é Iuri Paulino, sócio do Empório Sonatta, que começou a produzir a bebida em 2019. “Nossas vendas já estão melhores do que o ano passado e planejamos vender 2 mil garrafas”, revela. Se no São João a procura pelos licores cresce, o grande desafio para o empresário e manter as vendas ao longo do ano. 

Vender e ensinar como fazer drinks a base de licor estão entre as formas encontradas manter o interesse da clientela na bebida fora do período junino. Já Vinícius Mascarenhas, do Licor do Porto, em Cachoeira, aposta no marketing e faz campanhas nas redes sociais da loja para vender o produto para além do São João. “Eu enxergo o licor não só como uma bebida junina, mas para acompanhar aperitivos em qualquer época. É um grande potencial gerador de renda e emprego”, defende. 

O aumento do preço de itens de alimentação e bebida não poupou a bebida mais querida dos amantes de São João. Com ingredientes mais caros, especialmente leite e frutas, os produtores de licor se viram obrigados a aumentar o preço ou diminuir o lucro da produção. Iuri Paulinho conta que na Licor Sonatta foi preciso fazer um reajuste de 10% no produto final em comparação com o ano passado. 

O leite longa vida, que registrou alta de 8% na prévia da inflação de maio, foi o grande vilão para quem produz os licores cremosos – que, na nomenclatura correta, não chamados de coquetéis por terem leite como base. “Praticamente todos os insumos subiram, mas o de maior impacto foi o leite que usamos nos sabores de chocolate e doce de leite”, diz. Na loja, os preços variam entre R$45 e R$59. No Convento do Desterro, a alta chega a 25% em alguns sabores, que custavam R$60, no ano passado, e agora são vendidos por R$75. 

Fábio Alves, que aproveita a fábrica de sorvete em Stella Maris para produzir licores de sabores diversos, conta que preferiu manter o preço do ano passado para não perder os clientes. “Preferi reduzir a margem de lucro e ganhar na quantidade porque a gente vê que o poder de compra das pessoas diminuiu muito”, diz. 

Formado em nutrição e gastronomia, Fábio aposta nos licores cremosos como diferencial do negócio. “Na sorveteria só usamos ingredientes naturais e é possível transformar o licor a partir dos sorvetes. Por isso temos vários sabores diferentes como chocolate branco, geleia de maracujá e pistache”, conta.

Confira dicas de onde comprar a bebida neste São João

Confeitaria do Desterro
Endereço: Rua Santa Clara, Nazaré – Salvador
Contato: 71 99681 1711
@aconfeitariasaojose

Licor do Porto
Endereço: Rua Quintino Bocaiuva, B2 – Centro. Cachoeira
Contato: +557534252844
@licordoporto_oficial

Empório Sonatta
Endereço: Travessa Basilio de Magalhães, 84, Rio Vermelho
Contato: +55 71 8339-8223
@emporiosonatta

Seu Zé e Bonita Licor Artesanal 
Endereço:  Alameda Dilson Jatahy Fonseca, 1248 – Loja 14 – Stella Maris, Salvado
Contato: 71 98186-3861
@seuzelicor

*Com orientação de Monique Lôbo.

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