“As fintechs são o novo paraíso fiscal”, diz chefe da Receita em SP

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Em um mundo onde as ilhas Cayman e Barbados parecem distantes, o verdadeiro paraíso fiscal está mais próximo do que se imagina. Com um simples celular, a prática de crimes financeiros se torna acessível a qualquer um, graças a algumas fintechs que operam à margem da lei. Essa é a visão de Marcia Meng, superintendente da Receita Federal em São Paulo, que aponta que o termo “fintech” tem aparecido com frequência nas investigações sobre crime organizado, especialmente no que tange à lavagem de dinheiro.

Inovadoras por definição, as fintechs surgiram para democratizar o acesso ao sistema financeiro. Porém, em um ambiente regulatório desatualizado, oportunistas encontram brechas que permitem a proliferação de atividades ilegais. Em entrevista ao Metrópoles, Marcia Meng explica essas fraquezas e os riscos envolvidos.

Como operam essas fintechs ligadas ao crime?

Embora muitas fintechs tragam benefícios, é bom lembrar que, como qualquer ferramenta, também podem ser mal utilizadas. O fenômeno do avanço tecnológico rápido, combinado com a falta de regulação adequada, abre portas para ações ilícitas. Se não fosse por essas lacunas, as fintechs poderiam ser o que realmente se propõem a ser: soluções financeiras seguras e acessíveis.

E quais brechas os oportunistas encontram?

Um dos maiores atrativos das fintechs é a facilidade com que podem ser abertas. Para iniciar uma, basta ter um CNPJ e registrá-la no Banco Central. Enquanto não exercem funções de banco, elas podem realizar operações financeiras comuns, como transferências e pagamentos, sem a complexidade dos grandes bancos tradicionais.

Na prática, basta um CNPJ para abrir uma dessas empresas?

Exatamente. A simplicidade do processo de abertura e a possibilidade de criar uma conta com apenas algumas informações pessoais fazem com que o controle sobre essas empresas seja questionável. Uma simples foto segurando um documento e pronto: a conta está ativa.

Há pouco controle para a abertura de contas?

É verdade que existem fintechs respeitáveis, mas aquelas que se desviam do caminho ético geralmente operam sem a devida fiscalização. A tecnologia oferece várias ferramentas de segurança, mas avançasusu?rios, como a inteligência artificial, podem contornar até mesmo os sistemas mais sofisticados de identificação.

Quais as características dessas fintechs usadas pelo crime organizado?

Pequenas e discretas, essas fintechs movimentam recursos em níveis que evitam chamar a atenção das autoridades. Assim que atingem um determinado tamanho, são fechadas e reabertas sob novas identidades, dificultando sua detecção por órgãos de controle.

Como isso se relaciona com as empresas?

Da mesma forma que empresas tentam burlar a tributação através da fragmentação em múltiplas entidades, as fintechs do crime organizada se ocultam sob a fachada de pequenas operações, mantendo-se fora do radar dos fiscais.

E qual seria esse valor que limita o tamanho das fintechs do crime?

Marcia estima que esse limite fique em torno de R$ 250 milhões; acima disso, a fintech se tornaria visível e, consequentemente, sujeita a maiores fiscalizações.

A duração do ciclo de vida dessas fintechs é curta. Como isso ocorre?

As operações policiais se concentram nas fintechs ativas, e aquelas que não operam tornam-se apenas “cascas vazias”. O ciclo de abertura e fechamento depende da capacidade de camuflagem e do montante em operação.

Quais outros artifícios são utilizados para encobrir crimes?

Um dos métodos mais preocupantes é a criação de contas-bolsão. Estas contas, projetadas para facilitarem a gestão financeira, na verdade, ocultam as movimentações de múltiplos clientes, dificultando a fiscalização e a identificação de transações suspeitas pelo Banco Central.

Isso implica que as movimentações individuais são irreconhecíveis?

Exatamente. Ao assumir que estão num paraíso fiscal, muitos não percebem que a verdadeira distração vem do próprio celular. O horizonte da fraude se alarga dentro das fintechs.

As fintechs do crime têm peculiaridades na contabilidade?

A contabilidade complexa e opaca das fintechs implicadas em crimes é um emaranhado que desafia a análise por parte de auditores e policiais, tornando a detecção de movimentações irregulares muito mais difícil.

A Receita Federal tentou apertar a regulação, mas a instrução normativa foi revogada. O que ocorreu?

Essa norma representava um passo essencial para a fiscalização necessária, mas a reação pública—proibindo a tributação do Pix—gerou um efeito dominó de confusões e mal-entendidos que levaram à sua revogação.

A norma tinha alguma relação com a tributação do Pix?

Não. Essa é uma fake news que se espalhou rapidamente. A intenção era simplesmente garantir que todas as instituições financeiras, incluídas as fintechs, compartilhassem informações com a Receita, assim como já fazem os bancos tradicionais.

Como surgiu essa fake news?

Não é fácil mapear exatamente, mas em ambientes digitais, histórias infundadas ganham força com facilidade. O que começou como desinformação acabou por criar um problema real e substancial.

O que pensa sobre esse episódio?

A preocupação central deve ser com a quem isso realmente interessa. A sociedade e a Receita não ganham com a opacidade das fintechs; o crime organizado, sim. Para aqueles que buscam caminhos ilegais, as fintechs oferecem uma nova maneira de agir sem serem notados.

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