No meio do trânsito de uma tempestade que caiu em São Paulo em 2014, a consultora Lilian Ribeiro, 37, deu match pelo Tinder com o administrador Rafael Ribeiro, 40, que estava em casa, sem luz e impossibilitado de assistir um jogo de futebol. Em pouco tempo, já estavam morando juntos.
Casados há sete anos, eles hoje têm dois filhos pequenos. “As pessoas se espantam que nos conhecemos pelo aplicativo e deu certo”, diz ela.
O aplicativo que conecta casais como Lilian e Rafael completa dez anos nesta segunda-feira (12) e revolucionou a paquera online, antes restrita a sites de namoro – que atraíam uma população mais velha.
Nesta última década, especialistas concordam que o Tinder colocou mulheres heterossexuais no controle da procura e gamificou o flerte em meio a uma sociedade cada vez mais individualista.
O primeiro aplicativo de relacionamento a utilizar a lógica do GPS, na verdade, foi o Grindr, em 2009, focado no público gay . Mas, foi depois do Tinder que surgiram outros com a mesma lógica, como o Bumble e o Happn.
Para a psicóloga Lígia Baruch, que estudou o tema no doutorado, os aplicativos mudaram a maneira como as pessoas usam as imagens e como elas se vendem para um relacionamento. “Há uma busca constante por alguém que se encaixe, mas pouca disposição para a construção de relações.”
Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha, classifica os aplicativos como “revolução feminista”. Se nos sites elas recebiam enxurrada de mensagens sem filtros, já nos aplicativos, elas têm que concordar com o match para dar início ao papo.
Uma pesquisa divulgada em 2016 pela Universidade Queen Mary, de Londres, mostra que homens costumam dar mais likes no Tinder que as mulheres. Por outro lado, apenas em 0,6% dos casos eles são correspondidos. Já as mulheres, com um comportamento mais seletivo, têm um retorno de 10%.
Apesar do controle nas mãos delas, os aplicativos não limaram assédios. Outra pesquisa divulgada em 2020 pelo Centro de Pesquisas Pew mostra que 30% dos americanos adultos já usaram sites ou aplicativos. Entre eles, 37% afirmam que foram contatados por um usuário mesmo após manifestarem que não tinham interesse naquela pessoa. E 35% receberam mensagens ou imagens sexualmente explícitas indesejadas.
Lemos considera que o Tinder gamificou a paquera. Ou seja, o aplicativo proporciona aos usuários uma experiência como a de um jogo que embaralha cartas e vai mostrando pouco a pouco, de acordo com o interesse do usuário.
Ou seja, o Tinder mostra várias opções que não são interessantes e, de vez em quando, aparecem alguns com poder de retenção alto. “Há uma preferência por conhecer outras por meio do aplicativo e o desafio não é usar o aplicativo, mas deixar de usá-lo”, avalia ele.
Seja para relacionamentos duradouros, sexo sem compromisso ou passatempo, os aplicativos trouxeram consequências. Ele cita como exemplo o surgimento do termo ghosting -quando uma pessoa corta todas as comunicações com a outra sem explicações.
“Temos uma dissolução da vida em comunidade e um individualismo exacerbado. O ghosting se torna não só fácil de ser praticado, como representa uma deterioração de práticas comunitárias.”
A produtora de conteúdo Andrea Diniz, 47, também sente essa fragilidade nas relações. Há quase um ano no Tinder, ela conta que já se apaixonou e já se decepcionou com os homens que conheceu no aplicativo.
Diniz busca um relacionamento sério, mas não tem pressa. “As chances de encontrar homens nessa idade que não seja o ‘tio do pavê’ são baixíssimas”, diz. A maioria dos homens da sua idade, afirma, “procuram por gatinhas” ou não querem nada sério porque vem de relacionamentos longo que se arrastaram.
Ela nota que, nos aplicativos, muitos deles estão em busca de sexting [envio de mensagens digitais de teor erótico], mas não têm vontade para sair e bater papo. “Tenho me dado melhor no ao vivo”, resume.
Já a assistente administrativa Mariana Castro, 25, tem um carinho especial pelo aplicativo, pois foi por lá que conheceu a atual namorada Liz Figueiredo, 22, no início de 2021. Elas deram match, mas a conversa não engatou.
Um dia, Liz foi à farmácia e, coincidentemente, a atendente era Mariana. A partir dali, elas começaram a conversar e logo elas passaram a namorar.
“Se tem aplicativo para pedir comida, fazer compras, porque não usar para conhecer alguém?”, diz a assistente administrativa, que passou a usar mais o aplicativo durante a pandemia.
Dados divulgados pelo Tinder apontam que as conversas ficaram 33% mais longas durante a crise sanitária. Procurado, a empresa não divulgou o perfil mais detalhado dos usuários e não quis comentar o tema. Disse apenas que mais de 50% de quem usa o aplicativo têm a idade de Mariana e sua namorada, entre 18 e 25 anos.
A psicóloga Carla Guth tem um olhar mais crítico aos aplicativos de paquera. Para ela, os filtros e pré-seleções criadas contribuem para um comportamento cada vez mais controlador da sociedade. “Antes, as pessoas tinham vontade de se abrirem. Hoje, elas vêm frustradas porque o outro não atende as necessidades. Nos tornamos controladores e o novo é assustador.”
Já a fisioterapeuta Cybelle Varonos, 53, considera esses filtros positivos. Quem a encontra no Tinder, já lê: “cansada de pessoas rasas, solteira, sem filhos e 9 tatuagens.” Como não costuma frequentar festas e bares, o aplicativo ajuda a fazer uma espécie de pré-seleção. “Quem não gosta, nem dá like”, diz ela que já se apaixonou, teve relações casuais e fez amigos com o Tinder.
Ela avalia que o preconceito de quem se conhece pelo aplicativo diminuiu, mas conhecidos ainda perguntam se ela não tem medo de cair em algum golpe. “No bar e na academia não tem perigo? Quem não usa é porque tem medo de se envolver.”
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